A Estante convidou um júri de cinco elementos, composto pela jornalista Clara Ferreira Alves, o crítico Pedro Mexia, o professor catedrático Carlos Reis, o editor Manuel Alberto Valente e a jornalista Isabel Lucas, para eleger os 12 melhores livros portugueses dos últimos 100 anos. Este é o resultado.
Por: Catarina Sousa | Ilustração: Gonçalo Viana | Fotografias: Bruno Colaço/4SEE
AO LONGO DE DEZ EDIÇÕES a revista Estante tem vindo a entrevistar muitos autores portugueses, explorando várias temáticas nas quais a língua portuguesa surge como pano de fundo. Tínhamos desde o início uma vontade que transformámos em desafio e materializámos em iniciativa: eleger os melhores livros portugueses.
Não procurávamos uma lista demasiado extensa. Queríamos que os decisores fossem pessoas dos mais variados quadrantes, mas personalidades respeitadas e conhecedoras do mundo da literatura em Portugal. Cinco pessoas aceitaram o nosso convite: o professor e ensaísta Carlos Reis; a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves; a jornalista Isabel Lucas; o editor da Porto Editora, Manuel Alberto Valente; e o crítico literário e assessor cultural do Presidente da República, Pedro Mexia.
O desafio não se adivinhava fácil: escolher os melhores livros portugueses dos últimos 100 anos. Contudo, reunidos à volta de uma mesa, a escolha foi até bastante rápida.
O júri selecionou os melhores livros portugueses dos últimos 100 anos, restringindo a escolha a obras de ficção narrativa publicadas entre 1 de janeiro de 1916 e 1 de janeiro de 2016. A eleição recaiu sobre os 12 livros que se apresentam abaixo, sem qualquer ordem a não ser a alfabética.
Curiosamente, entre os autores dos livros selecionados apenas dois estão vivos: António Lobo Antunes e Agustina Bessa-Luís. Deixamos mais informação sobre cada um destes livros que ajudam não só a justificar a escolha do júri, mas a enquadrar a importância de cada uma das obras na literatura portuguesa dos últimos 100 anos.
Critérios de Seleção
A equipa da Estante estabeleceu alguns critérios que considerou pertinentes para a seleção dos melhores livros portugueses.
1. Os livros devem ter sido originalmente publicados a partir do dia 1 de janeiro de 1916.
2. Os autores devem ser de nacionalidade portuguesa.
3. As obras em causa devem ser de ficção.
4. Podem ser incluídas edições de autor.
O júri
Carlos Reis (1)
Licenciado em Filologia Românica, é professor e ensaísta especializado em estudos queirosianos. É autor de vários livros, entre os quais O Conhecimento da Literatura e Introdução à Leitura d’Os Maias. Colabora regularmente com o Jornal de Letras. É doutor honoris causa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde lecionou.
Isabel Lucas (2)
Licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, é jornalista desde 1993, tendo já passado pelas redações de RTP, Semanário, Focus, A Capital, Diário Económico e Diário de Notícias. É colaboradora pontual da revista Estante e do Público e chegou a falar sobre livros no extinto Rádio Clube Português.
Manuel Alberto Valente (3)
Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, é diretor editorial da Porto Editora. Iniciou a sua carreira no mundo editorial na Publicações Dom Quixote, em 1981. Passados 10 anos foi convidado a dirigir a Edições Asa, onde ficou durante 17 anos, primeiro como diretor editorial e depois como diretor-geral especialista no catálogo de literatura. Em 2008 ingressou na Porto Editora.
Clara Ferreira Alves (4)
É licenciada em Direito. Trabalhou no A Tarde, no Correio da Manhã e no Jornal de Letras antes de integrar a redação do Expresso, com a qual continua a colaborar. É um dos membros do programa Eixo do Mal, na SIC Notícias, e lançou o seu primeiro romance, Pai Nosso, no final de 2015.
Pedro Mexia (5)
É licenciado em Direito e tem um mestrado em Estudos Americanos. Como cronista e crítico literário, colaborou com jornais como Diário de Notícias, Público e Expresso. Publicou ainda vários livros de poemas. Atualmente é um dos membros do programa Governo Sombra, na TVI 24, e assessor cultural do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
OS 12 MELHORES LIVROS PORTUGUESES DOS ÚLTIMOS 100 ANOS
O escritor beirão sobre quem Fernando Namora disse ser “aquele jovem que trouxera a província para a cidade” conta nesta obra, publicada pela primeira vez em 1957, a história de Portugal através desta casa parcialmente em ruínas. Aquilino Ribeiro encontrou correspondências entre antigos habitantes da casa, datadas entre 1680 e 1828, e decidiu continuar a história.
No prefácio, o autor diz que as últimas páginas do livro são “da sua lavra”: “Às outras, sacudi o bolor do tempo e reatei o fio de Ariadna, interrompido aqui e além.”
A PRIMEIRA FRASE
“Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes gerou-se a floresta.”
SOBRE O AUTOR
“É um inimigo político, mas é um grande escritor!”
António Oliveira Salazar
O sentimento telúrico está presente em quase toda a sua obra e neste livro há uma espécie de chuva torrencial de memórias das personagens, onde o passado legitima o presente e vice-versa.
A autora inaugura uma nova forma de narração que irá caracterizar toda a sua obra e tem três eixos fundamentais: o papel das mulheres, a importância da recordação e um discurso que se repete mas acrescentando sempre novas informações. Há uma complexidade na obra de Agustina que a torna única na literatura portuguesa.
A PRIMEIRA FRASE
“– Há uma data na varanda desta sala – disse Germana – que lembra a época em que a casa se reconstruiu. Um incêndio, por alturas de 1870, reduziu a ruínas toda a estrutura primitiva.”
SOBRE A AUTORA
“Agustina é uma génia. Tudo o que escreveu – que foi muito para quem conta a metro, mas pouco para quem conta em momentos de vida a lê-la – é genial.”
Miguel Esteves Cardoso
Publicado em 1978, Finisterra tem como pano de fundo a paisagem gandaresa e explora a decadência de uma família, espelhada numa casa em estado de degradação contínuo.
Na obra, Carlos de Oliveira (1921-1981) explora também a interpretação subjetiva do homem no seu contacto com a realidade.
A PRIMEIRA FRASE
“O jardim familiar (primeira fase do abandono): montões informes de silvedo, buxo descabelado, urtigas, flores selvagens.”
SOBRE O AUTOR
“Os grandes escritores não morrem – e Carlos de Oliveira foi um dos mais cintilantes nomes da literatura portuguesa do século XX.”
Inês Pedrosa
Nesta obra de Raul Brandão (1867-1930) a ficção dilui-se na prosa, numa vila literária criada pelo próprio autor. Um livro que tem tanto de mórbido como de inovador para a época em que foi lançado.
A PRIMEIRA FRASE
“13 de Novembro. Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste…”
SOBRE O AUTOR
“Raul Brandão tem uma total empatia social mas não é um autor político no sentido estrito da palavra. É um autor que deve muito aos autores russos, àquela espécie de socialismo cristão.”
Pedro Mexia
Escrito durante mais de 20 anos sob o heterónimo de Bernardo Soares, personagem criada por Pessoa, são mais de 500 textos sem qualquer sequência entre si. E é um livro inacabado.
Os textos passam-nos a inquietação, a angústia, mas também a lucidez e a capacidade de reflexão do autor, demonstrando a complexidade da mente de Pessoa e as inúmeras dúvidas que o próprio tinha acerca da sua personalidade e sobre a vida.
A PRIMEIRA FRASE
“Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido – sem saber porquê.”
SOBRE O AUTOR
“Fernando Pessoa transforma a sua vida e o seu quotidiano, o seu pensamento e a sua viagem intelectual, numa experiência universal que todos partilhamos.”
Clara Ferreira Alves
Mau Tempo no Canal demorou cinco anos a ser escrito por Vitorino Nemésio (1901-1978) e parte da história do casal Margarida Clark Dulmo e João Garcia. Mas Vitorino Nemésio serve-se destes personagens apenas como gancho para nos relatar uma sociedade açoriana estratificada, com todos os problemas que a atingem: angústias, sofrimentos, paixões e o sentimento tão único de ser ilhéu.
AS PRIMEIRAS FRASES
“– Mas não voltas tão cedo… João Garcia garantiu que sim, que voltava. Os olhos de Margarida tinham um lume evasivo, de esperança que serve a sua honra. Eram fundos e azuis, debaixo de arcadas fortes.”
SOBRE O AUTOR
“Nasceu com um talento multiforme que daria, à vontade, para mais dez autores, e todos eles de primeira água.”
David Mourão-Ferreira
O Ano da Morte de Ricardo Reis é não só peculiar como faz por questionar tudo o que nos rodeia. Quem somos? O que nos acontece quando morremos? Somos únicos ou, como Fernando Pessoa, somos vários?
O livro conta a história do regresso a Portugal, vindo do Brasil, de Ricardo Reis, o heterónimo de Pessoa, quando confrontado com a morte do seu criador. É um livro denso mas vai envolvendo o leitor do início ao fim, fazendo também uma viagem pela história de Portugal.
AS PRIMEIRAS FRASES
“Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas do barro, há cheia nas lezírias.”
SOBRE O AUTOR
“Falava e escrevia com o desassombro e com a clareza que a alguns desagradava, mas que para ele eram uma forma inalienável de respiração intelectual.”
Carlos Reis
Em O Delfim assistimos a uma escrita despojada por parte de um autor que procura transparência. Cardoso Pires descreve o regime salazarista e debruça-se sobre a forma como este afeta as relações entre as pessoas. É este equilíbrio entre a metaforização de um regime e a descrição do seu declínio que torna O Delfim uma obra tão relevante para a literatura portuguesa.
Ao analisá-la, o próprio autor confessa ter-se despistado “numa sucessão de planos dialéticos”. Ainda bem que assim foi, pois este é um dos grandes romances portugueses do século XX.
A PRIMEIRA FRASE
“Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.”
SOBRE O AUTOR
“Trata-se, portanto, de José Cardoso Pires ser Aquele que tira e não Aquele que põe. Tira o que está a mais, o que está exatamente a mais.”
Gonçalo M. Tavares
É o seu segundo livro, publicado em 1979, e o veículo para uma voz demasiado tempo silenciada, que vem contar a sua versão dos factos, concluindo que aquela guerra não passou de um “gigantesco” e “inacreditável” absurdo.
Os Cus de Judas é um relato doloroso das vivências de Lobo Antunes em Angola, no qual o narrador deixa transparecer feridas ainda bem abertas.
A PRIMEIRA FRASE
“Do que gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fios de rebuçado na concha da língua.”
SOBRE O AUTOR
“António Lobo Antunes é um dos que sabe, como o poeta René Char, que certas guerras não acabam nunca.”
Manuel Alegre
Sendo um dos pioneiros do surrealismo em Portugal, Herberto Helder (1930-2015) escreve: “Não queremos este inferno. Deem-nos um pequeno paraíso humano.”
Este livro retrata a busca incessante de um homem para o sentido da sua existência e é também uma obra que nos transcende.
AS PRIMEIRAS FRASES
“– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso.”
SOBRE O AUTOR
“Quando morre um poeta com a dimensão de Herberto Helder, o que sentimos é que não apenas morreu um poeta, mas a poesia.”
José Tolentino Mendonça
Para Sempre é uma obra onde a morte está presente do início ao fim, mas que surge ao leitor como a única solução para o fim do sofrimento. Nas páginas deste livro acompanhamos a dor do protagonista e partilhamos a sua mágoa, como se fossemos nós a senti-la.
A forma como Vergílio Ferreira explora a língua portuguesa para transmitir emoções é de uma mestria digna de destaque.
AS PRIMEIRAS FRASES
“Para sempre. Aqui estou. É uma tarde de Verão, está quente. Tarde de Agosto. Olha-a em volta, na sufocação do calor, na posse final do meu destino.”
SOBRE O AUTOR
“Ele escreve como falava, com o mesmo sarcasmo, a mesma capacidade de, com duas ou três palavras, fazer o retrato de uma pessoa e esmagá-la.”
Eduardo Lourenço
Sinais de Fogo é uma obra inacabada e publicada em 1979, um ano após a morte do autor, que tem como eixo central a paixão de Jorge por Mercedes. É nos episódios que rodeiam esta relação que Jorge de Sena (1919-1978) coloca toda a poesia deste romance, considerado por muitos um marco da literatura portuguesa da segunda metade do século XX.
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